Escrita por José Coelho Martins
Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Administração da Alves Ribeiro, S.A., Sr. Eng. Nuno Pereira de Sousa,
Tomo a liberdade de o contactar directamente, e a título meramente individual, sobre o assunto em epígrafe, começando por lhe dizer que sou um adepto incondicional do direito à propriedade privada e que não me movo por ideias bacocos e injustos de natureza colectivista.
No entanto, enquanto cidadão minimamente esclarecido que me considero ser, julgo ter uma noção muito correcta de determinados valores societários, como sejam a justiça e a equidade.
Por tal motivo, considero ser da mais gritante injustiça e inequidade que a Quinta dos Ingleses seja objecto de qualquer tipo, por mínimo que seja, de projecto de edificação. A Quinta dos Ingleses é um ícone de Carcavelos, faz parte integrante do património histórico do concelho de Cascais, de Portugal e até do Mundo, devido à sua relação com o projecto de enorme relevo que foi a construção do cabo submarino entre a Europa e a América ....e, embora menos relevante, pelo menos para mim, também foi ali que Portugal descobriu o desporto futebol, pela mão dos ingleses!
Na Quinta dos Ingleses subsiste em funcionamento a excelente escola internacional St. Julians School, o que a par do novel projecto da Nova SBE contribui para que todo aquele espaço devesse ser naturalmente integrado num amplo projecto educativo, social e ambiental para usufruto da população da freguesia de Carcavelos e do concelho de Cascais.
Como pode verificar abaixo no texto que tive oportunidade de fotografar recentemente no campus universitário da Universidade de Lovaina (aconselho-o vivamente a fazer uma visita pessoal!), uma das mais antigas e prestigiadas da Europa, o campus respectivo nasceu de uma doação de um privado. Não sei se em Portugal tal exemplo seria reproduzível, mas eu não conheço nenhum caso em concreto.
O que estou aqui a dizer não vai, necessariamente, no sentido de que a empresa que V.Exa gere faça uma doação daquele espaço, mas essa empresa ficaria, pelos melhores motivos, ligada à história da freguesia, do concelho e do país, se tomasse a iniciativa de negociar com a autarquia as devidas contrapartidas da cedência da Quinta dos Ingleses à população, para desígnios bem mais nobres e edificantes!
Seria, de resto, uma verdadeira pedrada no charco na habitual noção de "desenvolvimento" associada ao betão, que tanto prolifera no nosso país de há tantos anos a esta parte, e responsável pelo elevado desordenamento territorial existente e por verdadeiros atentados ao ambiente, numa altura em que os riscos de sobrevivência da população no planeta Terra estão mais do que provados por muitos e diferentes reputados especialistas nacionais e internacionais.
A destruição da Quinta dos Ingleses pelo betão é, em minha opinião, tão ou mais grave do que a destruição pelo fogo do Pinhal de Leiria há dois anos atrás.
Trata-se, para mim, hoje, inequivocamente, de um assunto de Estado e, por tal motivo, para além de outras entidades relacionadas, aqui copio o Presidente da Junta de Freguesia de Carcavelos, o Presidente da Câmara Municipal de Cascais e a respectiva vereação, bem como o gabinete do Sr. Presidente da República que, a meu ver, e até por ser um cidadão de Cascais e professor de profissão, deve ter uma palavra pública a dizer nesta matéria, ao nível do que tem feito a propósito dos calamitosos incêndios que assolaram o país.
Se no caso do campus da Nova SBE foi utilizada a lei para sobrepor o interesse público ao privado, igual ou maior sentido tem o caso vertente da Quinta dos Ingleses.
Naturalmente que me escuso aqui de repetir a muita tinta já escrita sobre este assunto e que remete para as questões ambientais e de mobilidade nesta zona geográfica, de tão óbvios que são os inconvenientes e os elevadíssimos prejuízos.
Conheço muito bem o concelho de Cascais há muitos anos, pois aqui nasci e vivi a maior parte da minha a vida e posso afirmar-lhe que seria muito bem vindo um projecto urbanístico de qualidade da vossa empresa numa zona interior do concelho de Cascais, desde sempre abandonado à sua sorte. Existem muito boas localizações, com óptimos horizontes e ainda com algum espaço para novas soluções de mobilidade...seria apenas uma questão de entendimento com a autarquia..... e Cascais precisa de novas centralidades, que não apenas a faixa costeira....desde que, obviamente, sempre acauteladas as questões ambientais inerentes e a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas!
Concluo, afirmando-lhe que conheço muito bem a frase lapidar "It's business stupid" que se utiliza no mundo dos negócios a propósito deste tipo de situações, mas espero que V.Exa, a Administração e os accionistas dessa empresa consigam ultrapassá-la e dar um exemplo à sociedade portuguesa (incluindo o mundo empresarial e a classe política) que o desenvolvimento não passa apenas pelo lucro a todo o custo.
A diferença entre puro negócio e desenvolvimento, é que este último tem de associar o crescimento e a adequada evolução das pessoas!
Caso contrário, é uma mera miragem!
Na expectativa da prezada resposta de V.Exa, apresento os meus melhores cumprimentos.
De V.Exa
Atentamente
José Coelho Martins
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